Por Arlane Gonçalves, Consultora de Equidade para as Organizações

Por todos os lados, repetimos com frequência que esta é a eleição de maior impacto no Brasil desde a redemocratização. Há tanto em disputa, há tantos regressos a serem endereçados nos próximos anos, que é um desafio concatenar necessidades e prioridades como pessoas decisoras neste momento tão crucial.

Mas apesar da disputa para a presidência ocupar maior espaço na mídia e nas nossas mentes, há um espaço que detém um poder maior do que damos crédito, e que merece muito de nossa atenção e foco nesta eleição: o Legislativo. Ou seja, a Câmara dos Deputados a nível federal e estadual.

De acordo com o site da própria Câmara,

O Poder Legislativo cumpre papel imprescindível para o País, pois desempenha três funções primordiais para a consolidação da democracia: representar o povo brasileiro, legislar sobre os assuntos de interesse nacional e fiscalizar a aplicação dos recursos públicos.

Com estas funções, este pilar do poder elabora e vota as iniciativas e políticas públicas que afetam diretamente as nossas vidas – garantindo, valorizando, ou usurpando e destruindo os nossos direitos.

Neste fatídico 2022, mais do que nunca, devemos selecionar muito zelo os votos do Legislativo. Para isso, vão aqui três passos essenciais para a escolha de quem nos representará:

1 – Busque alternativas às candidaturas familiares.

Uma palavra que define muito o nosso poder Legislativo é “oligarquia”. De acordo com o Dicionário Aurélio, 

Oligarquia: 

Regime político em que o poder é exercido por um pequeno grupo de pessoas, pertencentes ao mesmo partido, classe ou família.

Quantos políticos, quantos “nomes de família” nossos votos vêm perpetuando no poder Legislativo por décadas e décadas? São nomes que “já conhecemos”, e pelos quais optamos simplesmente porque é mais fácil escolher o que nos é familiar. 

No entanto, na prática, usar este critério na hora de  votar contribui para perpetuar as mesmas  oligarquias e passagens de poder geração a geração. Gradualmente, elas vão tomando posse do poder – que não é delas, é nosso – e encontrando sempre novas maneiras de burlar regras e leis para se manter no poder, garantir a permanência de privilégios e enriquecer enquanto atende os próprios interesses e garante a permanência no posto.

Em 2022, faça diferente: há muitos novos rostos se candidatando, especialmente de pessoas que não vêm de famílias de poder, nem de heranças de riqueza. E que, principalmente, conhecem bem de perto a realidade da maior parte do povo – e querem trabalhar para mudá-la.

Então, conheça esses rostos. Vasculhe por novas possibilidades. Busque alternativas de propósito. Tire uma ou duas horas daqui até o dia da eleição e faça uma pesquisa (no terceiro tópico coloco alguns caminhos para esta pesquisa). 

Olha: agora nós temos a real chance de renovar até 50% do Senado neste ano

Vamos então mudar a cara do Legislativo! É aqui que está a principal chave para anos vindouros de real progresso ou a perpetuação de regressos incalculáveis para o povo e para o país.

2 – Conheça a trajetória da pessoa candidata

Em época de eleição, a gente já sabe: as bancas de pastéis de feira batem recorde de lucro. Gente que nunca nem pisou numa feira de rua na vida passa, de repente, a falar com muita propriedade sobre a realidade das pessoas mais pobres como se tivesse vivido o tempo todo ali.

Agora, com o tema da representatividade em voga, muita gente se apodera da pauta também. Alega que vai trabalhar pelas mulheres, pelas pessoas negras… Mas, por trás de todo esse véu de belas palavras, na maioria massiva das vezes há uma trajetória totalmente oposta.

Não seja por isso. Nós temos como saber de fato quais são os valores, ideais e interesses que esta candidatura representa.

O DIAP (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar) criou o site Quem foi quem no Congresso Nacional, que mostra como votou cada pessoa do Senado e da Câmara dos Deputados. Uma excelente iniciativa.

Se agora tem alguém tentando se reeleger e alegando fervorosamente que tem os melhores interesses da população no coração, com uma olhada no Quem foi quem é possível saber com mais precisão se isso é verdade ou não.

Outro ponto importante é: cuidado com promessas genéricas e “calorosas” demais. Por exemplo: o que exatamente significa ser “a favor da família”? Essa sentença por si só não diz muita coisa.

Em sua pesquisa, busque por falas específicas. Para começo de conversa, há diversos tipos de família no Brasil. Inclusive, 48,7% delas são chefiadas por mulheres. E, embora elas sejam maioria com ensino superior, ainda lideram os índices de desemprego no país: 14,9% das pessoas sem emprego são mulheres e 12%, homens.

Além disso, a fome no país já atinge mais de 33 milhões de pessoas, ou seja, 40% das famílias não conseguem acesso pleno à alimentação. E a maioria destas famílias são chefiadas por mulheres negras. Que, por acaso, também formam o grupo mais prejudicado pelo desemprego e pela interrupção de empreendimentos na crise da pandemia.

Desta forma, “defender a família” implica, necessariamente, em trabalhar por políticas públicas que enderecem estes desafios específicos.

Significa reconhecer efetivamente os aspectos que compõem, por exemplo, a desigualdade de gênero e a desigualdade étnico-racial neste país.

As pessoas LGBTQIA+ formam mais um tipo de família. Esta ainda não possui os seus direitos reconhecidos por lei. Hoje, o direito ao casamento e todos os demais que abarcam esta população, são garantidos pelo Judiciário. Ainda falta o Legislativo fazer aqui o seu trabalho: representar estas famílias e legislar sobre seus interesses.

Então, busque por trajetórias que de fato representem progresso para os direitos dos vários grupos que habitam o Brasil, e que sirvam de base para as promessas que a pessoa candidata está disseminando.

3. Vote em pessoas negras. Vote em mulheres.

Num país com 56% de pessoas negras, 52% de mulheres e 28% de mulheres negras, é imprescindível que estas proporcionalidades sejam refletidas no cenário político.

Você sabia que, dentre 193 países do mundo, o Brasil está na posição 146 em termos de representatividade de mulheres no parlamento? Este dado é de agosto deste ano, de um levantamento europeu de alcance global. Nós estamos atrás do Iraque, do Paquistão, da Arábia Saudita. E até pouco tempo atrás estávamos atrás do Afeganistão também.

As mulheres são atualmente somente 15% do Congresso Nacional.

Já as pessoas negras são cerca 17,8% – e isso num contexto em que  várias pessoas brancas fraudam a autodeclaração para serem beneficiadas pelas políticas públicas que direcionam orçamento para candidaturas pardas e pretas. Vide o caso recente de ACM Neto, candidato a governador na Bahia, por exemplo. Ele mudou sua autodeclaração de branco para pardo e, quando questionado, disse que “não é branco” e que o “IBGE está errado” (por considerar pessoas negras como o conjunto das pardas mais das pretas).

Mas não basta olhar as identidades. Não basta eleger mulheres apenas por serem mulheres. Nem pessoas negras apenas por serem pessoas negras.

A atual bancada feminina do Congresso é a mais conservadora desde 1964. Isso significa dizer que senadoras e deputadas elaboram projetos de lei e decidem seus votos de forma a não apenas não atender às demandas das mulheres brasileiras – mas, principalmente – de forma a prejudicar, restringir e ferir seus direitos.

Então, vote em pessoas negras. Vote em mulheres. Nós precisamos furar a bolha da homogeneidade. 

E, ao mesmo tempo, escolha essas candidaturas a partir de trajetórias e propostas que, dentre outras coisas, enderecem de forma intencional e afirmativa estas populações e suas diversas reivindicações por acesso a direitos, espaços e oportunidades.

Uma iniciativa para inspirar e mobilizar

A Coalizão Negra Por Direitos lançou o site Quilombo nos Parlamentos, que traz o levantamento de mais de 100 candidaturas negras comprometidas com a perspectiva Antirracista. De acordo com o site, 

O objetivo da ação é reduzir o hiato de representatividade no Poder Legislativo e contribuir para um projeto de país mais justo para todas e todos, alinhado à luta contra o racismo.

Este é um dos caminhos pelos quais você e eu podemos mudar, de fato, a cara do Legislativo.

Selecione pessoas negras e mulheres com pautas realmente aderentes com as necessidades de todas as famílias; com os direitos das pessoas que trabalham; com políticas públicas de democratização afirmativa do acesso à educação e à tecnologia; com a potencialização dos empreendimentos criados e geridos pelas populações da base da pirâmide; com a saída urgente deste cenário de fome, desemprego e desesperança.

Que neste importantíssimo 2022, o nosso voto no Legislativo seja o instrumento de intencional transformação do potencial de progresso e crescimento brasileiro em realidade!