Não é novidade que o perfil predominante entre os startupeiros são homens brancos, heterossexuais, de classe média alta, tendo estudado nas maiores universidades do país e do mundo. Isso significa que – a despeito de todas as dificuldades enfrentadas para empreender no Brasil e não são poucas – estes empreendedores iniciam suas jornadas muitos passos à frente da maioria da população brasileira.
Não é à toa que o ecossistema de startups tem sido tão criticado. Mesmo sendo um território propício à práticas disruptivas e mentalidades arrojadas, ele acaba expressando a mesma desigualdade dos setores mais tradicionais da economia e perpetuando práticas que dificultam a manifestação de diferentes perspectivas, crenças, valores, experiências de vida e portanto, da inovação em seu conceito mais amplo e profundo.
O Contexto
Segundo o IBGE, mulheres representam 51,8% da população brasileira, pessoas negras representam 56,2%5, e mulheres negras representam 27,8% . Mulheres e pessoas negras formam, portanto, a maioria da população em geral.
No entanto, apenas 17% das empresas têm mulheres como fundadoras, e apenas 25% têm pessoas negras neste papel, conforme estudo da Associação Brasileira de Startups (ABSTARTUPS) em 2021.
Estas porcentagens não se assemelham, nem tampouco se aproximam da proporcionalidade destas populações no Brasil, e refletem as disparidades que compõem o mundo do Empreendedorismo e do mercado de trabalho nacional.
Um mapeamento recém lançado correlaciona estes e outros dados e demonstra em que pé estão as políticas públicas brasileiras voltadas para startups. O objetivo do estudo é compreender como está o Brasil quando o assunto é fomentar a liderança de mulheres e pessoas negras em negócios em geral, e especialmente, em startups. O material foi publicado no último dia 28 de julho pela Dínamo, associação especializada em políticas públicas para startups e que faz a ponte entre a sociedade civil organizada (movimentos, associações, empresas, etc) e o governo.
Veja aqui o estudo completo conduzido
pela especialista Arlane Gonçalves,
consultora e especialista em D&I (Diversidade e Inclusão).
O mapeamento traz alguns pontos que você precisa conhecer: A maioria das políticas públicas encontradas estão associadas ao gênero e a raça dos fundadores de startups no Brasil.
Mulheres representam 51,8% da população brasileira, pessoas negras representam 56,2%5, e mulheres negras representam 27,8% . Mulheres e pessoas negras formam, portanto, a maioria da população em geral.
Arlane Gonçalves

Alguns pontos do Mapeamento que você precisa conhecer:
- A maioria das políticas públicas encontradas – seja em nível federal, estadual ou municipal – é voltada ao empreendedorismo como um todo. Isso significa que ainda há um grande gap – e uma oportunidade – para criar ações afirmativas para inclusão de mulheres e pessoas negras no empreendedorismo de base tecnológica;
- Uma maioria de iniciativas e Políticas Públicas afirmativas para o empreendedorismo de Inovação com foco em mulheres, e uma considerável menor existência delas com foco em pessoas negras;
- Quais as personalidades políticas mais atuantes na temática; e
- 13 bons exemplos de políticas públicas que poderiam ser ampliadas, intensificadas e servir de inspiração para outras iniciativas por todo Brasil.
Para mim (Marina) é muito marcante a fala de Fabrícia Garcia, coordenadora do comitê de Igualdade Racial do Grupo Mulheres do Brasil e também membro do GT de políticas públicas da Dínamo, quando diz:
Eu faço o letramento digital de pessoas que estão em vulnerabilidade social em comunidades. Tecnologia é para quem? Empreendedorismo é para quem? Políticas Públicas é para quem? Temos um histórico no país de endereçar as políticas públicas aos próprios interesses, deixando de atuar para o público que não tem acesso e oportunidade. A razão de estarmos aqui hoje é justamente para que conversemos sobre políticas públicas para quem realmente precisa da gente
Fabrícia Garcia

Temos que fazer alianças com a academia e também com o setor privado. Além disso, não esqueçamos das regiões periféricas. Para que o Brasil realmente ocupe o lugar que merece, precisamos de organização, planejamento, transparência e coordenação de maneira ampla, não investimentos exclusivamente nos mesmos polos, daí a importância das políticas públicas”
Keyllen Nieto
Antropóloga e fundadora da Integra Diversidade, membro do GT de políticas públicas da Dínamo, durante o debate realizado durante o evento de lançamento do Mapeamento
Há 3 anos eu (Beatriz) entrevistei, em minha coluna na Startse, várias pessoas negras que me contaram os desafios de empreender no ecossistema de startups. Embora se fale muito em meritocracia, o ecossistema empreendedor por aqui é predominantemente embranquecido. Iniciativas para mudar essa barreira tem sido de extrema importância para que outros negros tenham acesso ao ecossistema de inovação e tecnologia, como a BlackRocks, Vale do Dendê, Movimento Black Money e AfroBusiness.
Os últimos anos também foram especialmente desafiadores para a realidade feminina, como neste artigo em que descrevo o cenário atual na Folha de S. Paulo. No Brasil, empresas fundadas só por mulheres receberam no ano passado 0,04% do total de US$ 3,5 bilhões de investimentos. Além disso, 72% das mulheres também afirmaram ter passado por algum tipo de assédio moral durante o processo de captação de investimento para seus negócios.
Para Felipe Matos, VC da Dínamo, a equidade de gênero e de raça é a base para a construção de uma sociedade mais justa.
“O ecossistema de startups não pode se eximir deste compromisso. Ao contrário, por ser um segmento em crescimento e com grande potencial de tração econômica, ele precisa estar alinhado às demandas da sociedade. Não há desenvolvimento tecnológico e econômico sem iguais oportunidades de acesso à educação de base, formação tecnológica para o mercado, capital e cultura de empreendedorismo”, enfatizou.
Felipe Matos
Mas por que a Dínamo “resolveu” se preocupar com Diversidade agora?

Na verdade, a Dínamo foi fundada em 2015, a partir do sonho de modificar o ecossistema de startups no Brasil. Sua missão é fomentar um ambiente propício ao desenvolvimento da inovação tecnológica por meio da construção de políticas públicas e debate no tema. Para nós, os negócios de base tecnológica como motor de desenvolvimento: não apenas desenvolvimento econômico para os diretamente envolvidos – os startupeiros e seus sócios-investidores. Compreendemos que a inovação tecnológica tem o potencial de desenvolvimento amplo, para toda a sociedade, e pode ser realizada com o compromisso de impacto socio-ambiental e justiça social.
Dentre os pilares que estruturam nossa atuação, está o macro tema “Sociedade – Diversidade e Inclusão”. Este modelo elitizado perpetua uma inovação focada no consumo e não no atendimento às demandas e necessidades da grande maioria da população, sub-representada.
Lutamos por um ambiente mais diverso e inclusivo, por meio da construção de políticas que incentivem a entrada de mulheres, pessoas negras e pessoas de menor renda neste ecossistema, não apenas como mão de obra como hoje, mas como empregadores, investidores, criadores de soluções e profissionais de ponta, desejados pelo mercado, ou em qualquer outra posição que estas pessoas desejem ocupar..
Foi por isso que desde 2021, aprofundamos os trabalhos do pilar Sociedade, organizando o 1o Mapeamento sobre Políticas Públicas em Startups e Diversidade (https://www.dinamo.org.br/diversidade)
E este ano, trouxemos o estudo, utilizando uma ferramenta própria para levantamento e análise de dados governamentais, a DataPolicy. Mas a publicação é apenas uma parte do que está em desenvolvimento na temática Diversidade, Inclusão e Inovação. Em paralelo ao Mapeamento 2.0 criamos um Grupo de Trabalho (GT) multidisciplinar voltado à temática de DEI, composto por pessoas especialistas na área, com experiência em Políticas Públicas e atuação nos ecossistemas de empreendedorismo e tecnologia. O grupo é formado por pessoas que compõem grupos minorizados. Neste momento priorizamos mulheres e pessoas negras, em busca de trazer legitimidade às demandas por ele tratadas. O objetivo do GT é analisar o contexto de desigualdade que enfrentamos hoje no ecossistema de empreendedorismo e startups e a partir da inteligência coletiva que emerge do próprio grupo, construir proposições de políticas públicas e ações afirmativas que possam contribuir para a maior representatividade, diversidade e inclusão no ecossistema de startups.
Criamos também este ano, o Observatório Dínamo, ou “observa dínamo” para os íntimos, um site no qual publicamos conteúdo autoral e criado por pessoas do ecossistema interessadas em construir o debate público sobre como construir um cenário mais favorável à inovação, ao desenvolvimento economico e à igualdade social no Brasil.
E no dia 28 de julho, fizemos um evento presencial no Google for Startups, em São Paulo, aberto ao público e gratuito. O objetivo foi oficializar o lançamento de todas estas iniciativas e ocupar fisicamente um território tipicamente tecnológico, com uma pauta que não exatamente “nativa” no segmento startups, mas que é fundamental para a sua evolução e crescimento sustentável: a diversidade de gênero e raça.
Estiveram presentes no evento representantes da mídia como o Globo, a PEGN, Startupi e Finsiders. Representantes do Programa Sebrae for Startups, Rede Mulher Empreendedora, Banco Interamericano de Desenvolvimento, ABStartups, Consultorias consolidadas em D&I como a Gema e a ìntegra, Instituto Gueto, Suzano, assessoria de deputada Marina Helou, Anjos do Brasil, empresas de Investimento e muitos outros.
Com todas essas iniciativas estamos fazendo um convite contínuo e aberto, nos modelos virtuais e presenciais, para o diálogo junto aos representantes dos diversos grupos da sociedade organizada. Assim, acreditamos que podemos avançar nessa agenda, na crença de que um ecossistema mais diverso não é “apenas” mais socialmente justo, como também é mais produtivo e capaz de gerar mais inovação e valor.
Continue nos acompanhando aqui no Observatório, nas mídias sociais e participe conosco da construção de um país mais justo, a começar – porque não – pelo ecossistema das startups.