Analisando o impacto do  veto ao artigo que previa compensação de perdas e ganhos na apuração de imposto para investimentos anjo  no ecossistema de inovação brasileiro.

No último dia 28 de abril, o Congresso brasileiro votou pela manutenção do veto feito pela presidência ao artigo 7º do Marco Legal das Startups instituído pela LEI COMPLEMENTAR Nº 182, DE 1º DE JUNHO DE 2021. Esse veto tirou do marco um mecanismo de apoio ao investimento em startups que há anos vinha sendo pedido pela comunidade de inovação.  Com isso, se mantém as atuais condições de tributação que desencorajam este tipo de aporte nas startups. De forma geral, a medida tende a aumentar os custos e barreiras para o investimento privado em empresas de base tecnológica no Brasil – mesmo se tratando de um tipo de investimento altamente desejável e benéfico para o desenvolvimento econômico e social. Estão contemplados nesse tipo de aporte o investimento anjo, investimento efetuado por aceleradoras e incubadoras, por fundos de seed capital, enfim, todo o investimento privado efetuado em startups em estágio inicial.

Da forma como está, cria-se uma tributação desproporcional aos investimentos em etapa inicial, em que não são consideradas perdas na apuração dos ganhos, além de se manter uma alíquota maior do que em outros investimentos de menor risco e que tem isenção ou redução de tributação – como ações de empresas em bolsa até o limite de R$ 20 mil de alocação mensais, letras de crédito imobiliário letras de crédito agrícola, dentre vários outros. Na prática, isso faz com que o investimento anjo se torne menos atrativo e diminui a oferta de capital para o surgimento de novas empresas inovadoras no país. Embora o incentivo seja aplicado ao investimento, os grandes beneficiários são as pessoas que empreendem e recebem o capital e apoio que precisam para construir seu negócio.

Apesar da questão já ter sido bastante tratada em diversos canais de comunicação, o Dínamo entende que é fundamental se posicionar, reiterar os esforços de esclarecimento sobre o tópico e não deixar a discussão esfriar. Afinal, como agentes atuantes na aprovação do Marco das Startups em 2020, a Associação Dínamo está direta e ativamente comprometida com a transformação positiva do ecossistema de startups. 

Confira a seguir de que forma este veto impacta a vida das startups e o desenvolvimento da inovação tecnológica no Brasil:

Perguntas que você pode estar se fazendo e a gente se esforçou para responder

  1. O Artigo 7 trata de ganhos e perdas reais. O que é ganho real?

A Receita Federal considera cada investimento em startups como uma transação separada, que tem começo, meio e fim em si mesma. Seguindo este raciocínio, se o investidor investir 100 mil reais na startup A e daqui a cinco anos ela gera um retorno de R$ 1 milhão, ele multiplicou seu investimento por 10. Para a Receita, o ganho de capital é de R$ 900 mil, sobre os quais incide o Imposto de Renda referente.

Mas na prática, investidores anjo não investem em uma, mas em várias empresas ao mesmo tempo, já que elas possuem um alto grau de risco. E uma das estratégias que este tipo de investidor adota para reduzir o risco total geral de seus investimentos é justamente investir em muitas delas – aquela metáfora do “distribuir os ovos em diferentes cestas”. Algumas vão gerar perdas e outras, ganhos.

Agora começa a parte em que precisamos fazer contas:

1. Se esse investidor investe R$ 100 mil em 10 empresas, investe o total de R$ 1 milhão. 

2. Apenas na empresa 1, o investidor recebeu retorno no valor de R$ 1 milhão de reais pela venda das ações. Vamos supor que em outras  5 empresas, ele teve prejuízo, perdeu todo o investimento. E em outras 4 empresas, ele apenas recuperou o investimento de R$ 100 mil, não obtendo, portanto, nenhum lucro/ ganho.

3. No somatório, este investidor aportou R$ 1 milhão e recebeu de volta 1,4 milhão, certo?

4. Descontando o valor investido do resultado do período, o valor líquido apurado, ou seja, o ganho real foi de R$ 400 mil. Portanto, entendemos que este investidor deveria pagar imposto apenas sobre os R$400 mil apurados ao fim do processo e no somatório de todos os investimentos.

5. É aqui que mora a divergência. A Receita Federal entende que o investidor deveria pagar imposto sobre um ganho de 900 mil, pois considera as transações separadamente, desprezando os prejuízos ocorridos em outros investimentos. O resultado é que se paga imposto   sobre um ganho maior que o ganho real, tornando a tributação efetiva muito mais alta.

Empresa investida12345678910Total
Valor Investido em R$100 mil100 mil100 mil100 mil100 mil100 mil100 mil100 mil100 mil100 mil1 milhão
Resultado no período em R$1 milhão00000100 mil100 mil100 mil100 mil1,4 milhão
Ganho da operação em R$900 mil-100 mil-100 mil-100 mil-100 mil-100 mil0000400 mil
Imposto a Pagar  atualmente em R$ (alíquota de 15% )135 mil000000000135 mil (33,75% do ganho efetivo)
Imposto a pagar caso houvesse a compensação de perdas135 mil-15 mil-15 mil-15 mil-15 mil-15 mil000060 mil

No exemplo acima, o imposto a pagar pela pessoa investidora no modelo atual seria 2,2 vezes maior do que o equivalente ao ganho real nas operações. A falta da compensação das perdas faz com o imposto pago, portanto, represente uma alíquota efetiva de 33,75% sobre o ganho real, nesse exemplo.

Como este veto impacta o ambiente de inovação brasileiro? 

Acima, demos um exemplo fictício, porém próximo à realidade seguindo todas as estatísticas de resultados disponíveis. Mas há outros cenários em que o investidor pode ter ganhos ainda menores no período. Sendo assim, quando somam-se os impostos, é possível que a pessoa investidora possa pagar de imposto mais do que ganhou de fato. O que não faz nenhum sentido, considerando que o imposto deveria incidir sobre os ganhos e não contribuir para aumentar as perdas.

Esta realidade torna o investimento anjo ainda mais caro e arriscado, ou seja, menos atrativo. Com menos investidores interessados, as startups têm ainda mais dificuldade para obter recursos para sua fase inicial e muitas acabam “morrendo na praia”, por falta de capital,  sem ter tido a chance de desenvolver a hipótese do negócio a ponto de aperfeiçoar e gerar valor, empregos e renda.

Afinal, qual o papel do investidor anjo para o ecossistema de startups?

O investidor anjo é uma pessoa física que aposta nas fases iniciais de uma startup. Ele aporta valores entre R$ 20 mil e R$ 100 mil em conjunto com outras pessoas, investindo entre R$ 400 mil e R$ 2 milhões por negócio e assume um alto grau de risco por serem negócios em estágio inicial, que ainda precisam encontrar seu mercado, modelo de negócio e demonstrar seu potencial de crescimento e capacidade de gestão. E é exatamente por isso que o Investimento Anjo é essencial para o crescimento de negócios na fase do Early Stage. É uma das formas de apoiar negócios até que tenham força para crescer de forma acelerada e até mesmo buscar investidores maiores em fundos no futuro.

Quando o investimento anjo fica mais caro e menos atrativo, o país desestimula esse tipo de movimento do mercado e prejudica a aceleração de negócios inovadores na fase em que mais precisam de aporte e apoio. É consenso no mundo que apenas assim, as startups conseguem desenvolver suas soluções até que elas se tornem viáveis do ponto de vista técnico e econômico e atrativas para investidores de maior porte.

Apenas o investimento anjo está submetido a esta tributação tão agressiva?

Quando comparamos a tributação aplicada ao investimento anjo com outros investimentos de menor risco (bolsa de valores, letras de câmbio, títulos do governo, diretos em certos tipos de fundos) há uma desproporção no tratamento tributário em comparação ao dispensado ao investidor anjo. 

Isso porque muitos desses investimentos são isentos de imposto sobre ganho de capital ou têm acesso a tabelas com alíquotas regressivas, que diminuem com o tempo. Vale dizer que esses investimentos são considerados de menor risco na comparação com o investimento anjo, além de gerarem um retorno para a sociedade – na forma da geração de empresa, renda e crescimento econômico potencialmente menor, comparativamente.

Como já dito antes, o investimento anjo é um tipo de aporte caracterizado pelo alto risco, uma vez que se aplica a empreendimentos em fase inicial e com alto grau de inovação presente. Ao mesmo tempo, tem um enorme potencial de geração de valor para a sociedade, pois todo o capital é aplicado na contratação de pessoas, produtos e serviços, gerando emprego e renda e movimentando a economia. Sem contar na geração de inovação tecnológica, contribuindo para a agregação de valor econômico e aumento da competitividade do país. O ideal seria que este investimento fosse muito incentivado, como forma de acelerar o desenvolvimento das startups que se encontram nesta fase. É o que faz a maioria dos países desenvolvidos.

Mas a legislação brasileira faz o contrário. Por isso, um dos pleitos do ecossistema de startups é a equiparação tributária com estas outras formas de investimento de menor risco. Na ausência dessa equiparação, buscava-se que pelo menos as perdas fossem deduzidas dos ganhos, para que a tributação fosse pelo menos mais justa. Essa havia sido uma conquista do Artigo 7 do Marco Legal das Startups, que aprovou a mudança. Porém, ela caiu com o veto.

O que embasa o veto? 

Além da questão da vontade política, que sempre pode e deve ser discutida, o que embasou este veto foi a lei de responsabilidade fiscal, que obriga o executivo a restringir quaisquer medidas que impactam na perda de receita para os cofres públicos. Para aprovar uma política pública com este tipo de impacto, seria preciso indicar fontes de receita que possam compensar a perda da arrecadação. 

E então, a redução de arrecadação sobre os ganhos reais pode ser compensada de alguma forma?

É preciso entender que o investimento anjo gera aumento direto da receita tributária. Um estudo da consultoria britânica Grant Thornton realizado em parceria com a Associação Anjos do Brasil, baseado em casos internacionais, mostra que cada R$ 1,00 aplicado em investimento anjo gera R$ 5,84 na economia e R$ 2,21 de tributação. Não existe renúncia fiscal, o fluxo de caixa tributário é sempre positivo.

O capital que chega à empresa é usado para contratar pessoas, comprar insumos, contratar serviços de terceiros. Assim, a startup investida distribui este recurso no mercado, que gera impostos. E mais: em caso de crescimento, o sucesso da startup gera ainda mais riqueza para o ecossistema ao seu redor e mais arrecadação de impostos. Vale dizer que essa arrecadação ocorre de forma antecipada! Sim, o investimento anjo acarreta no aumento imediato de arrecadação, pois gera movimentação no setor produtivo, enquanto o imposto sobre ganho de capital só seria arrecadado após alguns anos, com a venda das ações da empresa investida.

Mas se o país mantém a tributação como está, represa o potencial de crescimento daquele segmento de empresas e da economia como um todo, o que é ainda mais impactante neste momento de crise econômica.

O que pode ser feito agora que o veto do Presidente foi mantido?

Não é mais possível reverter o veto, pois já foi apreciado pelo Congresso e mantido. Porém, há alguns caminhos viáveis para aperfeiçoar os mecanismos do Marco Legal, através da proposição de novos projetos de lei.

Mais do que isso, é preciso esforço no convencimento e sensibilização do legislativo e do executivo, em especial da Receita Federal, sobre a importância dessa questão.

Sim, há muito trabalho a ser feito quando o assunto é criar ambiente regulatório favorável ao desenvolvimento das startups no Brasil. E nós da Dínamo temos o compromisso de permanecer vigilantes e ativos nesta causa.

Maria Rita Spina Bueno: é uma personalidade altamente relevante para a inovação no país. Diretora executiva da Anjos do Brasil, ela é profundamente conectada aos temas de Diversidade e Investimento de Impacto. Em 2013 fundou o MIA – Mulheres Investidoras Anjo, movimento no qual promove a maior participação feminina no investimento em startups.

Felipe MatosCEO na Sirius *Te ajudamos a contratar, desenvolver e acelerar talentos
em tech | Presidente da ABstartups | VP no Dínamo | Empreendedor, mentor,
palestrante, escritor, investidor, ativista e educador